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18 abril 2007

Conversa com "Deus"

Infelizmente dia 24 de fevereiro passado foi minha formatura, ou melhor, da minha turma, pois não pude pagar a exorbitância que é para participar da cerimônia de colação de grau e da festa de formatura. Tinha acabado de sair do meu antigo trabalho, ainda pleiteava uma vaga em algo mais estável (o que já consegui, gracias a Dios!) e R$ 1100, 00, para mim, é muito para uma festa de apenas um dia, sem contar um churrasco numa chácara em Atibaia. O valor não compensa, não aderi meio que revoltado, feliz por não dar essa grana pra empresa de formatura, mas reconheço que no dia da colação, quando vi alguns de meus colegas lá, no palco, fiquei com certa tristeza por não usar aquele chapéu e aquela beca ridícula... Mas o presente chegou depois...

Sempre admirei o Antonio Candido (sem acento mesmo), pela inteligência, pela simplicidade com que escreve, pela sua fama de ser muito acessível e muito simpático e simples (adjetivos próprios de pessoas inteligentes!), e quando soube que ele seria o patrono da minha turma de formatura me programei pra, simplesmente, ouvir o que ele diria lá, no Expo Barra Funda. Eu nunca tinha visto o homem ao vivo!

Mas ele só abriu a boca pra fazer o juramento dos formandos... (uma coisa que eu reparei: durante a execução do hino nacional ele baixou a cabeça e ficou calado, não o cantou, embora creia que ele saiba a letra de cor. Uma professora minha da FEUSP me disse, certa vez, que o hino nacional lhe fazia sentir frios na espinha por lembrar-se da sua época de militancia estudantil na universidade, durante o período da ditadura! Acho que pra um socialista como ele, esse silêncio significou muito!)

No entanto, quando acabou a festa e ele descia do palco, fui ao encontro dele (pra mim, o maior intelectual vivo no Brasil!), com minha cara de bobo diante dum dinossauro como ele (ele tem 89 anos, completa 90 esse ano!) que conheceu e conviveu com Mario de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Guimarães Rosa, entre outros vários. Falei pra ele que me formava também com aquela turma (todos o cumprimentaram, por que eu não poderia?) mas não o fiz por falta de grana, mas que agradecia a importância da contribuição dele pra minha vida acadêmica (falei difícil, né? era a ocasião...) e saí fora. Ele foi gente boa... Aí um montão de gente veio em cima do cara pra tirar foto e eu vazei.

Quando cheguei na rua, fiquei um tempo conversando com uma amiga quando vejo o Antonio Candido saindo, sozinho. Até disse "alguém deve estar esperando por ele", mas me surpreendeu que ele saiu, atravessou a rua e se encaminhava sozinho pro metrô!

Me entendam, por favor: eu sempre li coisas do cara, sobre o que ele escreveu eu fiz a minha graduação, de certa forma ele está presente na minha vida desde que entrei na facú, feliz e infelizmente, às vezes (quem cursou IEL com a Sandra Nitrini sabe do que falo...). E o cara tava ali, sozinho, disponível, com um mundo de conhecimento na cabeça, pronto pra despejar no primeiro que o interpelasse!

E foi isso que eu fiz! Fui pra puxar um papo meio besta, pra falar da vida, não queria falar sobre livros que li (por favor!), muito menos pra tietar (de Tiete, não Tieta!).

Ao falar "professor" ao lado dele, ele já logo me disse: "ah, não é você o menino que disse que não tinha dinheiro pra formatura?", e começou a discorrer indignadamente sobre essa indústria que se formou em volta das colações e formaturas. Disse que no seu tempo (inevitável dizer isso quando se tem 89 anos. Eu com 25 já disse isso algumas vezes... triste né? rs) as formaturas eram no Teatro Municipal, glamurosas. Mas não se tinha que pagar. Não sei quem pagava, não me perguntem.

Enquanto isso seguíamos caminhando. Em seguida eu perguntei sobre uma nova edição de um livro dele que estava pra sair fazia uns anos, e que finalmente saiu em dezembro do ano passado. Ele me disse que teve uns problemas com o editor (ou sei lá quem, não lembro bem o cargo do cara) que tava até pirateando o livro antes de lançá-lo! Fala sério!!!

Quando ele estava pra entrar no Táxi - hehehe eu, ingenuamente, cheguei a pensar que ele iria de Metrô, olha as "idéia" - eu falei:

- Professor, queria saber uma coisa: hoje em dia, com esse caos que tá a política no país, a educação e uma série de outras coisas, as pessoas gostariam de ouvir alguém sensato, uma pessoa da importância dele que pudesse dar algum norte pra elas, ao menos pra saber o que se passa na cabeça de um cara como ele, que, incrivelmente (isso eu não falei), coexiste nesse caos conosco(Trocando em miúdos, "e agora, quem poderá me defender?"; e o Chapolim não dá as caras!!!)!

Ele falou, muito simpaticamente, mas num tom sério:

- Eu já me sinto descolado dessa realidade. Eu já fui uma pessoa que pensava sobre o tempo contemporâneo. Mas agora as coisas me escapam. Você vai ficar velho, você vai entender. Politicamente eu decidi não participar mais, já há algum tempo. Literariamente, as pessoas me vêm perguntar-me sobre autores novos e eu não posso dizer nada, não os acompanho. Tem muita coisa nova que não conheço... (eventuais erros de português nesse parágrafo são, obviamente, meus!)

Me estendeu a mão, disse que "foi um prazer" conhecer-me, e entrou no táxi.

Na faculdade muitos o chamam de deus. Acho que ele não sabe disso, mas se soubesse desdenharia dessa "inapropriada alcunha".

Eu fiquei olhando o táxi ir embora, tentando memorizar esse momento, um verdadeiro presente de formatura, enquanto olhava "deus" entrar no táxi, dizer aonde queria ir, e o táxi sair dobrando a direita, ao lado do Memorial da América Latina.

Por ironia do destino, o bairro onde mora "deus" é o Paraíso!

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6 Comentários:

Blogger Lucas disse...

que bonito...! =)

abril 18, 2007 10:17 PM  
Blogger Jaime disse...

Rodrigo,

Emocionante... Sua formatura (cara passou muito rápido?!!). Seu encontro rapidão, rapidão com o Antonio Candido.
Parabéns, tenho a maior admiração por você e o melhor é que você é meu amigo.

Abraços

maio 24, 2007 12:32 PM  
Blogger ZEMO disse...

Antes tarde do que mais tarde ainda!
Sensacional, mano!
Não só o "deus" mora no paraíso, mas também o "profeta".

Abraço!

junho 11, 2007 6:22 PM  
Blogger Sheila M. Godoi disse...

Muito interessante sua experiêcia com Deus!

Adorei a parte do metrô! hehe
Acho que só universitários vão ao fim do mundo e voltam de ônibus, metrô, trem e o que for!

Abraços, e seja bem-vindo ao Untitled!

Abraços

novembro 12, 2007 10:36 PM  
Anonymous Anônimo disse...

Tou quase no seu msm barco Rodrigo..rsrs
"Tou quase" pq a minha só é la pro meio do ano (Julho de 2008)...e já fizeram contrato e td..e não pude colocar meu nome rsr..não sei do meu futuro economicamente falando (ninguem sabe), pois meu pai paga minha faculdade e no aperreio, e não tem como eu trabalhar, afinal meu curso eh Diurno, e mais um gasto para esse pro velho seria uma exorbitância para ese mundo de glamour e materialista, pois R$ 1.500 eh uma boa grana como vc msm dise, pra uma noite de festa. Durante esses 3 anos e meio curti mto na facul...e ainda tem mto tempo pra curtir que é cerca de 4320 horas e não ir a festa q nao dura 24 horas acho q não seria grande perda..mas como é de saber é uma festa mto bacana onde se fecha com chave de ouro todo esses anos de curso e agitação. Fazer oq neh.

Más oq é importante para mim foi que neste meio de embalos, badalos, conseguir amizades verdadeiras, progredir as que já tinha e conseguir com mta obserção identificar pessoas falsas q só pensam em si próprio.

O valor real disso td colocaria minha gratidão no ápice pois o esforço de meu Pai e minha Mãe, que estao fazendo por realizar um sonho meu e um projeto de vida deles, concretizando assim mais um dos objetivos de suas vidas.

Só espero poder fzr mta mulecagem nesse ultimo periodo e que após a conclusao do msm poder reencontrar os Grandes Amigos da faculdade (como tb já é do saber, mto dificil todos se reencontrar) e fazer uma bagunça, uma muagi, uma putaria eheheh, que futuramente para meu filho eu possa ajudá-lo a conseguir méritos não conseguidos por mim e o principal q é meu futuro profissional seja próspero nas mãos divinas!

janeiro 30, 2008 2:02 AM  
Blogger Unknown disse...

Nossa, me emocionei ao ler o seu texto, Rô! Vc sabe fazer eu me sentir vivenciando a cena, de tão linda que é a descrição. Fora sua percepção pra coisas que passam despercebidas normalmente.
Dá a impressão de que um momento qualquer aos olhos de muitos pode se tornar um momento magnífico nas suas palavras.
Falando sobre o "deus", então! Agora eu sei BEM qual foi a sua emoção!

Um abraço, querido!

fevereiro 06, 2008 6:45 PM  

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