Infelizmente dia 24 de fevereiro passado foi minha formatura, ou melhor, da minha turma, pois não pude pagar a exorbitância que é para participar da cerimônia de colação de grau e da festa de formatura. Tinha acabado de sair do meu antigo trabalho, ainda pleiteava uma vaga em algo mais estável (o que já consegui, gracias a Dios!) e R$ 1100, 00, para mim, é muito para uma festa de apenas um dia, sem contar um churrasco numa chácara em Atibaia. O valor não compensa, não aderi meio que revoltado, feliz por não dar essa grana pra empresa de formatura, mas reconheço que no dia da colação, quando vi alguns de meus colegas lá, no palco, fiquei com certa tristeza por não usar aquele chapéu e aquela beca ridícula... Mas o presente chegou depois...
Sempre admirei o Antonio Candido (sem acento mesmo), pela inteligência, pela simplicidade com que escreve, pela sua fama de ser muito acessível e muito simpático e simples (adjetivos próprios de pessoas inteligentes!), e quando soube que ele seria o patrono da minha turma de formatura me programei pra, simplesmente, ouvir o que ele diria lá, no Expo Barra Funda. Eu nunca tinha visto o homem ao vivo!
Mas ele só abriu a boca pra fazer o juramento dos formandos... (uma coisa que eu reparei: durante a execução do hino nacional ele baixou a cabeça e ficou calado, não o cantou, embora creia que ele saiba a letra de cor. Uma professora minha da FEUSP me disse, certa vez, que o hino nacional lhe fazia sentir frios na espinha por lembrar-se da sua época de militancia estudantil na universidade, durante o período da ditadura! Acho que pra um socialista como ele, esse silêncio significou muito!)
No entanto, quando acabou a festa e ele descia do palco, fui ao encontro dele (pra mim, o maior intelectual vivo no Brasil!), com minha cara de bobo diante dum dinossauro como ele (ele tem 89 anos, completa 90 esse ano!) que conheceu e conviveu com Mario de Andrade, Sérgio Buarque de Holanda, Guimarães Rosa, entre outros vários. Falei pra ele que me formava também com aquela turma (todos o cumprimentaram, por que eu não poderia?) mas não o fiz por falta de grana, mas que agradecia a importância da contribuição dele pra minha vida acadêmica (falei difícil, né? era a ocasião...) e saí fora. Ele foi gente boa... Aí um montão de gente veio em cima do cara pra tirar foto e eu vazei.
Quando cheguei na rua, fiquei um tempo conversando com uma amiga quando vejo o Antonio Candido saindo, sozinho. Até disse "alguém deve estar esperando por ele", mas me surpreendeu que ele saiu, atravessou a rua e se encaminhava sozinho pro metrô!
Me entendam, por favor: eu sempre li coisas do cara, sobre o que ele escreveu eu fiz a minha graduação, de certa forma ele está presente na minha vida desde que entrei na facú, feliz e infelizmente, às vezes (quem cursou IEL com a Sandra Nitrini sabe do que falo...). E o cara tava ali, sozinho, disponível, com um mundo de conhecimento na cabeça, pronto pra despejar no primeiro que o interpelasse!
E foi isso que eu fiz! Fui pra puxar um papo meio besta, pra falar da vida, não queria falar sobre livros que li (por favor!), muito menos pra tietar (de Tiete, não Tieta!).
Ao falar "professor" ao lado dele, ele já logo me disse: "ah, não é você o menino que disse que não tinha dinheiro pra formatura?", e começou a discorrer indignadamente sobre essa indústria que se formou em volta das colações e formaturas. Disse que no seu tempo (inevitável dizer isso quando se tem 89 anos. Eu com 25 já disse isso algumas vezes... triste né? rs) as formaturas eram no Teatro Municipal, glamurosas. Mas não se tinha que pagar. Não sei quem pagava, não me perguntem.
Enquanto isso seguíamos caminhando. Em seguida eu perguntei sobre uma nova edição de um livro dele que estava pra sair fazia uns anos, e que finalmente saiu em dezembro do ano passado. Ele me disse que teve uns problemas com o editor (ou sei lá quem, não lembro bem o cargo do cara) que tava até pirateando o livro antes de lançá-lo! Fala sério!!!
Quando ele estava pra entrar no Táxi - hehehe eu, ingenuamente, cheguei a pensar que ele iria de Metrô, olha as "idéia" - eu falei:
- Professor, queria saber uma coisa: hoje em dia, com esse caos que tá a política no país, a educação e uma série de outras coisas, as pessoas gostariam de ouvir alguém sensato, uma pessoa da importância dele que pudesse dar algum norte pra elas, ao menos pra saber o que se passa na cabeça de um cara como ele, que, incrivelmente (isso eu não falei), coexiste nesse caos conosco(Trocando em miúdos, "e agora, quem poderá me defender?"; e o Chapolim não dá as caras!!!)!
Ele falou, muito simpaticamente, mas num tom sério:
- Eu já me sinto descolado dessa realidade. Eu já fui uma pessoa que pensava sobre o tempo contemporâneo. Mas agora as coisas me escapam. Você vai ficar velho, você vai entender. Politicamente eu decidi não participar mais, já há algum tempo. Literariamente, as pessoas me vêm perguntar-me sobre autores novos e eu não posso dizer nada, não os acompanho. Tem muita coisa nova que não conheço... (eventuais erros de português nesse parágrafo são, obviamente, meus!)
Me estendeu a mão, disse que "foi um prazer" conhecer-me, e entrou no táxi.
Na faculdade muitos o chamam de deus. Acho que ele não sabe disso, mas se soubesse desdenharia dessa "inapropriada alcunha".
Eu fiquei olhando o táxi ir embora, tentando memorizar esse momento, um verdadeiro presente de formatura, enquanto olhava "deus" entrar no táxi, dizer aonde queria ir, e o táxi sair dobrando a direita, ao lado do Memorial da América Latina.
Por ironia do destino, o bairro onde mora "deus" é o Paraíso!
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